Sorriso 141

Já te falei um monte de vezes que jogo é coisa séria. Cartas então, nem se fala.
Aí você vai se chegando na roda, que não lhe convidou, abelhudo que só, e faz uns cliques.
Te olham de canto de olho, ressabiados e alguns até abaixam as cartas. Sabe-se lá por qual da mesa você pode ter sido mandado?
Sorrio na esperança de conseguir o mesmo de volta.
Nada.
Descartam, sussurram, olhos vidrados no que acontece ali.
O tempo está agradável e naquele círculo particularmente passa numa velocidade quase nenhuma.
Nem o carro de som, nem a moça gostosa que balança a bandeira animadíssima empolga.
Ou fingem né?
Lembro na minha adolescência, quando íamos para a molezinha na casa dos Tinocos, que as rodas de maumau eram gigantescas.
O que começava como brincadeira, encarnação, uma coisa leve entre amigos muitas vezes terminava de forma quase trágica.
Casais dispersos, muitas desculpas, gente indo dormir, climão.
No dia seguinte? Fazíamos tudo de novo.
- O que estão jogando?
Um deles me olhou sobre os ombros com aquele olhar de "não está claro?".
- Buraco.- e deu um muxoxo longo, como se fosse possível.
Aí vem uma brecha na minha memória que me incomoda desde o começo destas linhas.
Lembro que alguém me ensinou a jogar buraco. Acho que minha madrinha.
E jogávamos com tanta frequência que fiquei realmente bom na coisa.
Mas nada disso é certo.
O buraco maior da memória joga tudo pra longe.
Opa, um deles me olhou e eu sorri. Acho que tem algo ali, um click, dois, três...
Será um sorriso?
Monalisa perde.
Acho que está feliz pela carta boa.
Com ares de quem está pra pegar o morto.
Uma trinca? Não, ta com jeito que vai descer a mão toda.
E sem coringa. A tal da canastra real. Lembrei neste segundo.
Este sorriso diz tudo.
Mas algo no fundo da minha cabeça também avisa pra ter cuidado.
Esse sorriso pode ser um blefe.