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    Sorriso 182



    De longe eu a via atracada com o sorvete. 
    Não existia mundo ali por perto, ou crise, ou política, ou efeito estufa, só ela e a bola marrom de chocolate.
    E ela curtia como se não houvesse amanhã, ou hoje mesmo.
    A mãe preocupada com a roupa repreendia:
    - Já te falei pra não sujar a roupa!
    O tom era muito acima. Muito.
    Ela respondia a altura com uma pirraça bem feita e uma bocarra aberta que fingia choro e cessava com uma nova colherada.
    O mundo era doce, gelado e confortável. Por vezes é assim.
    O chocolate banhava boca, queixo, mão e ela não deixava nada escapar.
    Depois de pagar a conta passei por perto e provoquei.
    - Me da um pouquinho?
    Ela olhou para mim, para o sorvete, tirou com a colher um pedaço generoso da bola e me encarou sorrindo monalisamente.
    Me senti num daqueles filmes de bang bang, onde se pega os olhos dos dois pistoleiros no big close, cada um esperando o movimento do outro no detalhe. Corta pra um, pra outro, pra um, pra outro, pra um, pra outro, piscou, BANG!
    A colher foi parar em sua boca. Ela riu-se com aquela crueldade gostosa e pura das crianças.
    Pura covardia pois eu estava desarmado. Completamente.
    Imagina o que vem por ai...   

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